TRÓLEBUS
Por volta das nove e dez da manhã de uma segunda-feira qualquer de primavera, o ônibus elétrico Praça da Sé / Vila Carrão entrou pela Rua dos Trilhos, seguindo sentido ao centro da cidade de São Paulo. Como de costume, os velhos, moradores do bairro da Mooca, aglomeraram-se na parte da frente do trólebus, antes da catraca. Usar e abusar do direito de ser velho é algo que esses amantes do bairrismo paulistano têm como primeira filosofia de vida.
Quando o ônibus se aproximou do terceiro ponto da Rua dos Trilhos, rumando para a Rua da Mooca, um senhor, na casa dos sessenta, cabelos brancos molhados e penteados de lado, vestindo terno bege, camisa branca e gravata da cor do terno, ultrapassou a roleta e foi se sentar em uma das pouquíssimas vagas que ainda restavam – uma das últimas, ao lado direito do corredor, já perto da porta dos fundos do ônibus.
- Esaú?
A pergunta adentrou os ouvidos do velho como que por um funil, misturada as muitas vozes dos passageiros.
- Esaú? – repetiu o homem gordo, de cabelos tão brancos quanto o primeiro, camisa ainda mais branca, aberta em duas casas, sentado no assento do lado esquerdo do corredor. O velho olhou. – Lembra de mim?
O velho fitou o homem, abriu um sorriso e se levantou em direção ao lugar vago ao lado do homem. Sentou-se e, educadamente, perguntou:
- Como está?
O homem não resistiu ao enorme sorriso no rosto do velho e retribuiu.
- Quanto tempo, hein!
- Pois é, bastante.
- Reconheci você pelo nariz, acredita? Rarará.
Sem graça, o velho abriu mais um sorriso, como se já estivesse acostumado. O homem prosseguiu.
- E está trabalhando com o quê?
- Trabalho em cartório agora.
- Ah! Eu também já fiz de tudo depois que acabamos a faculdade, viu. Já fui até pasteleiro...um monte de coisa!
Mais um sorriso. E silêncio.
O velho olhou para frente. O homem, pela janela.
- Casou?
O velho acenou com a cabeça. – Minha esposa está sentada ali na frente. – e apontou para o grupo de idosos que parolavam entre o motorista e o cobrador.
- É aquela que era sua namorada na faculdade?
- Não, não. – respondeu com simpatia. – Aquela eu terminei dois anos depois. Ou foram três?
Mais um silêncio. E sorriso.
O ponto do velho estava chegando e ele começou a ensaiar uma saída. Arrumou o paletó, que agora estava no colo, pegou a pasta pela alça e se virou para o homem, tirando algo do bolso da camisa.
- Toma o meu cartão.
- Poxa, tô sem o meu aqui. – Lamentou o homem, apalpando as mãos em todos os bolsos que se lembrava.
- Não tem problema. Tchau! – O velho abriu um último sorriso, levantou-se e desceu no último ponto da Rua da Mooca. A esposa desceu pela frente, como de direito.
- Tchau, Esaú!
O homem seguiu até o ponto final, no centro. Lá pela Radial Leste, com o trólebus parado devido ao trânsito, resolveu ler com atenção o cartão do velho amigo:
JORGE MUSTAFÁ DOS SANTOS
AUXILIAR DE ESCRITURÁRIO
4º CARTÓRIO DE SÃO PAULO
3 comentários:
Gostei....já tinha lido antes mas nao tinha comentado...
pois é... virei blogueiro...promessa de ano novo... hauhauh
abs
cheguei aqui de curiosa... achei o link na casa do galo e devo dizer que adorei seus textos! parabéns
Valeu, Juliana!
Volte mais vezes...o único problema é que quem não volta mais vezes sou eu hahaha.
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