sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

TRÓLEBUS

Por volta das nove e dez da manhã de uma segunda-feira qualquer de primavera, o ônibus elétrico Praça da Sé / Vila Carrão entrou pela Rua dos Trilhos, seguindo sentido ao centro da cidade de São Paulo. Como de costume, os velhos, moradores do bairro da Mooca, aglomeraram-se na parte da frente do trólebus, antes da catraca. Usar e abusar do direito de ser velho é algo que esses amantes do bairrismo paulistano têm como primeira filosofia de vida.

Quando o ônibus se aproximou do terceiro ponto da Rua dos Trilhos, rumando para a Rua da Mooca, um senhor, na casa dos sessenta, cabelos brancos molhados e penteados de lado, vestindo terno bege, camisa branca e gravata da cor do terno, ultrapassou a roleta e foi se sentar em uma das pouquíssimas vagas que ainda restavam – uma das últimas, ao lado direito do corredor, já perto da porta dos fundos do ônibus.

- Esaú?

A pergunta adentrou os ouvidos do velho como que por um funil, misturada as muitas vozes dos passageiros.

- Esaú? – repetiu o homem gordo, de cabelos tão brancos quanto o primeiro, camisa ainda mais branca, aberta em duas casas, sentado no assento do lado esquerdo do corredor. O velho olhou. – Lembra de mim?

O velho fitou o homem, abriu um sorriso e se levantou em direção ao lugar vago ao lado do homem. Sentou-se e, educadamente, perguntou:

- Como está?

O homem não resistiu ao enorme sorriso no rosto do velho e retribuiu.

- Quanto tempo, hein!

- Pois é, bastante.

- Reconheci você pelo nariz, acredita? Rarará.

Sem graça, o velho abriu mais um sorriso, como se já estivesse acostumado. O homem prosseguiu.

- E está trabalhando com o quê?

- Trabalho em cartório agora.

- Ah! Eu também já fiz de tudo depois que acabamos a faculdade, viu. Já fui até pasteleiro...um monte de coisa!

Mais um sorriso. E silêncio.

O velho olhou para frente. O homem, pela janela.

- Casou?

O velho acenou com a cabeça. – Minha esposa está sentada ali na frente. – e apontou para o grupo de idosos que parolavam entre o motorista e o cobrador.

- É aquela que era sua namorada na faculdade?

- Não, não. – respondeu com simpatia. – Aquela eu terminei dois anos depois. Ou foram três?

Mais um silêncio. E sorriso.

O ponto do velho estava chegando e ele começou a ensaiar uma saída. Arrumou o paletó, que agora estava no colo, pegou a pasta pela alça e se virou para o homem, tirando algo do bolso da camisa.

- Toma o meu cartão.

- Poxa, tô sem o meu aqui. – Lamentou o homem, apalpando as mãos em todos os bolsos que se lembrava.

- Não tem problema. Tchau! – O velho abriu um último sorriso, levantou-se e desceu no último ponto da Rua da Mooca. A esposa desceu pela frente, como de direito.

- Tchau, Esaú!

O homem seguiu até o ponto final, no centro. Lá pela Radial Leste, com o trólebus parado devido ao trânsito, resolveu ler com atenção o cartão do velho amigo:

JORGE MUSTAFÁ DOS SANTOS

AUXILIAR DE ESCRITURÁRIO

4º CARTÓRIO DE SÃO PAULO