sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Um dia continua (e continuou)

Boné do Chicago Bulls oficial oito linhas com estampa do Perna Longa enterrando uma bola, calça big azul, tênis Redley verde sem cadarço e camisetão branco do Frajola. Paulo Roberto conhecia muito bem as peças de roupa antigas do seu irmão mais velho, o Arnaldo Antunha, principalmente, o camisetão do Frajola, que herdara do Arnaldo e que lhe servia de camisola nas boas noites de sono.

“Mas quem será essa pessoa?” pensou o Paulinho, que não mais ouvia o som que saia da boca do Júlio da Costa. “Não me lembro de ter mandado mamãe dar essas roupas.”.

Enquanto o Paulo Roberto se interessava mais por saber como aquela pessoa havia conseguido tão peculiares trajes, não percebia que todos ao redor já não continham a empolgação ao verem a Perna Longa de Rugas, como estava sendo chamada a menininha com cara de velha, descabelar uma das meninas da roda ao lado com um beijo de língua na orelha esquerda.

***

A Dona Abadia desceu da lotação e perguntou ao primeiro segurança do shopping onde acontecia o grande encontro de todas as segundas-feiras dos fundos do shopping:

- Nos fundos do shopping, senhora. – respondeu o homem.

Como não suportava os camelôs que rodeavam o lugar, a Dona Abadia deu a volta por dentro e aproveitou para dar uma passadinha na loja para senhoras de meia idade. Mas não entendeu por que a vendedora insistia em chamá-la de seu moleque e indicar a loja de esportes ao lado. Chegando aos fundos, notou uma aglomeração incomum. “Deve ser aqui.” pensou.

De fato, era. Centenas de jovens formando dezenas de rodas. Ao primeiro olhar geral, a Dona Abadia se espantou a tal ponto que suas pernas tremeram e chegou, quase, a desmaiar tamanha pouca vergonha que seus olhos concluíam àquelas cenas. Garotos encurralando garotos em muretas, meninas enfiando a mão em outras, por trás, por cima da calça...“Que horror! Não é possível que o Paulinho participe disso.”. Cansada de procurar, a Dona Abadia resolveu sentar um pouco numa ponta de banco que ainda estava desocupada. O resto do pequeno concreto de cimento era ocupado por duas meninas que sentavam uma no colo da outra. A que estava sentada por cima cutucou a Dona Abadia que, até então, nem se dava conta da dupla:

- Curti esse seu boné.

- Falou comigo? – perguntou a Abadinda.

- Pena que você cubra esse seu rosto tão lindo com ele.

- Você...você acha que eu tenho o rosto lindo? De verdade? – balbuciou.

- Eu te daria um beijo agora, sabia? Agora mesmo.

- Mas essa aí não é sua namorada? – perguntou a Dona Abadia, apontando com um bico a garota que sentava por baixo, e já com um sentimento que nunca sentira antes. “Será? Não, não pode ser.”, pensou.

- Ela não é minha namorada.

- Mas vocês se beijaram agora mesmo. – afirmou a mãe de Paulinho, já quase se inclinando inconscientemente para a garota, que se levantou, pegou na mão da Abadinda, puxou-a para cima e roubou-lhe um beijo.

A Dona Abadia ficou paralisada, olhando fixamente para os olhos da menina. Sentiu algo que não sentia há muito tempo. Sentiu-se desejada. E para uma mulher como ela, que havia passado os últimos anos da vida se dedicando apenas ao filho e ao trabalho, pouco importava quem a havia desejado. Com a mão direita buscou a cabeça da desconhecida, com a esquerda, prendeu-a pela cintura. E beijou-a.

E continuou.
Leia o texto um.
Leia o texto dois.