Um dia continua (e continuou)
Boné do Chicago Bulls oficial oito linhas com estampa do Perna Longa enterrando uma bola, calça big azul, tênis Redley verde sem cadarço e camisetão branco do Frajola. Paulo Roberto conhecia muito bem as peças de roupa antigas do seu irmão mais velho, o Arnaldo Antunha, principalmente, o camisetão do Frajola, que herdara do Arnaldo e que lhe servia de camisola nas boas noites de sono.
“Mas quem será essa pessoa?” pensou o Paulinho, que não mais ouvia o som que saia da boca do Júlio da Costa. “Não me lembro de ter mandado mamãe dar essas roupas.”.
Enquanto o Paulo Roberto se interessava mais por saber como aquela pessoa havia conseguido tão peculiares trajes, não percebia que todos ao redor já não continham a empolgação ao verem a Perna Longa de Rugas, como estava sendo chamada a menininha com cara de velha, descabelar uma das meninas da roda ao lado com um beijo de língua na orelha esquerda.
***
A Dona Abadia desceu da lotação e perguntou ao primeiro segurança do shopping onde acontecia o grande encontro de todas as segundas-feiras dos fundos do shopping:
- Nos fundos do shopping, senhora. – respondeu o homem.
Como não suportava os camelôs que rodeavam o lugar, a Dona Abadia deu a volta por dentro e aproveitou para dar uma passadinha na loja para senhoras de meia idade. Mas não entendeu por que a vendedora insistia em chamá-la de seu moleque e indicar a loja de esportes ao lado. Chegando aos fundos, notou uma aglomeração incomum. “Deve ser aqui.” pensou.
De fato, era. Centenas de jovens formando dezenas de rodas. Ao primeiro olhar geral, a Dona Abadia se espantou a tal ponto que suas pernas tremeram e chegou, quase, a desmaiar tamanha pouca vergonha que seus olhos concluíam àquelas cenas. Garotos encurralando garotos em muretas, meninas enfiando a mão em outras, por trás, por cima da calça...“Que horror! Não é possível que o Paulinho participe disso.”. Cansada de procurar, a Dona Abadia resolveu sentar um pouco numa ponta de banco que ainda estava desocupada. O resto do pequeno concreto de cimento era ocupado por duas meninas que sentavam uma no colo da outra. A que estava sentada por cima cutucou a Dona Abadia que, até então, nem se dava conta da dupla:
- Curti esse seu boné.
- Falou comigo? – perguntou a Abadinda.
- Pena que você cubra esse seu rosto tão lindo com ele.
- Você...você acha que eu tenho o rosto lindo? De verdade? – balbuciou.
- Eu te daria um beijo agora, sabia? Agora mesmo.
- Mas essa aí não é sua namorada? – perguntou a Dona Abadia, apontando com um bico a garota que sentava por baixo, e já com um sentimento que nunca sentira antes. “Será? Não, não pode ser.”, pensou.
- Ela não é minha namorada.
- Mas vocês se beijaram agora mesmo. – afirmou a mãe de Paulinho, já quase se inclinando inconscientemente para a garota, que se levantou, pegou na mão da Abadinda, puxou-a para cima e roubou-lhe um beijo.
E continuou.
Leia o texto um.
Leia o texto dois.
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