quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Um dia continua (a continuação)

A Dona Abadia – ou Abadinda, como a costumavam chamar – era esperta. Já tinha enganado muito os pais também, dizendo que ia aos shows da Legião Urbana, quando, na verdade, se encontrava com pré-adolescentes do fã-clube dos Menudos para trocar fotos do Rob Rosa.

Ela sabia que o Paulinho, como gostava de chamar o filho único de pai desconhecido, não dizia a verdade. Por isso, naquela segunda-feira, resolveu segui-lo. Mas como não queria ser reconhecida, fez o que qualquer mãe em seu lugar faria: vestiu-se com roupas da moda adolescente. O problema era que essa moda não era da adolescência contemporânea. Era de uma geração anterior. Mas quem iria perceber? O fato de treinar gírias, em frente ao espelho, como “da hora, hein, meu!” e “ah, eu to maluco!” não significava que ela estava desatualizada.

Quinze minutos após a saída do filho, a Dona Abadia tratou de pegar a lotação Vila Carrão/Tatuapé e ir ao encontro do dia que jamais esqueceria.

***

O Paulo Roberto estava muito à vontade naquela noite. Com o ouvido direito ouvia My Chemical Romance no MP3 player da DricaxBirdx, com o esquerdo era todo ouvidos para o Júlio da Costa, menino novo no shopping, alto, cabelos pretos de gel e moicano, que filosofava sobre sentimentos recíprocos não declarados. O garoto era bom de papo, mas o Paulo Roberto não conseguia entender por que ele tinha mania de mover a orelha toda vez que alguém pronunciava seu nome.

Quando o Júlio começou a declamar poemas de Arnaldo Jabour, que recebera via e-mail de um contato distante, a atenção do Paulo Roberto já não era total. Em meio a tantos casais iguais, um roubou os olhares do garoto.


Um dia continua e, talvez, acabe.
Leia o texto um.
Leia o texto três.

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Um dia continua

Já passava das dezoito horas e nada do Paulo Roberto ficar pronto. A calça jeans clara com cintura na coxa e o cinto quadriculado preto e branco, largo, que acompanha a altura da calça, já estavam vestidos. Bastava abrir o armário que essas peças já saltavam do cabide. A franja também já estava pronta, cobrindo a visão do olho direito, e só faltava definir qual armação de óculos usar, já que nunca na vida esboçou sintomas de miopia, hipermetropia ou astigmatismo. Isso agilizava e economizava, pois as lentes, além de falsas para fazer estilo, podiam ser de plástico.

O problema estava, como sempre, na camiseta. A listrada à la Freddy Krueger todos já o tinham visto, a listrada brilhante de presidiário do amor não estava mais na moda e a listrada verde e preta, tamanho P, que mostra o umbigo estava de molho pra ver se encolhia um pouco. O jeito foi vestir mesmo a regata branca, apesar de esta deixar à mostra o piercing no mamilo direito, presente do Enzo.

Quase dezenove horas quando Paulo Roberto, agora Pbetox@yahoo.com.br, tomou a lotação com destino ao Shopping Metrô Tatuapé. Toda segunda-feira, por volta desse horário, gays, lésbicas, simpatizantes e emos – que podem ser qualquer um dos três primeiros -, em sua maioria adolescentes, reúnem-se dentro e fora do shopping mais popular de São Paulo. E não são poucos.

Sentados no chão, próximos às catracas do metrô, espalhados pelos corredores interiores do shopping ou apoiados nas muretas do lado de fora, esses jovens não demoraram nem um pouco para sair do armário. Não esperaram, sequer, seus pais desconfiarem. Foram tão rápidos em assumirem sua sexualidade e estilo de vida, que enganaram os velhacos direitinho: “Essa juventude de hoje é estranha.”

Mas não é assim que pensava a Dona Abadia, mãe do Paulo Roberto. Afinal, ela só tinha trinta e oito anos. Nos tempos da brilhantina dela, o topete do John Travolta já era visto como ridículo e quem ditava a moda era o Axl Rose. Ela sabia que algo estava errado com o menino. Não era apenas o fato do garoto mentir, dizendo que NXZero era uma mistura de punkrock com hardcore melódico, mas ouvir Toni Braxton escondido era, no mínimo, suspeitoso.

Naquela segunda-feira, ela resolveu seguir o filho.


Um dia continua.

Leia o texto dois.
Leia o texto três.