sexta-feira, 17 de abril de 2009

Pode vir que hoje é open lasanha

Doutor Carlos Lombardi é um cidadão daqueles politicamente corretos. Mora sozinho há mais de quinze anos, desde que sua esposa lhe escreveu uma carta suicida, dizendo que preferia morrer a ter que ver novamente uma de suas palestras sobre Cidadania Privada, que ele promovia em banheiros públicos nas estações de metrô.

Doutor Lombardi é tão correto que certa vez passou uma tarde de domingo tentando convencer uma criança de quatro anos de que a solução para o Brasil é acabar com a taxa de 10% de serviço embutida nas contas de bares e restaurantes. A criança, no fim, acabou concordando, mas só nos casos em que o garçom não traz um pirulito de sobremesa.

Era sábado de manhã e, como de costume, Doutor Lombardi foi fazer sua caminhada, mas não sem antes vasculhar sua caixa de correios, que mais parecia um motel de pombos, de tão vazia que costumava ficar, já que ele não tinha muitos amigos. Na verdade tinha dois: o motorista do ônibus, ao qual lhe falava bom dia quase todos os dias, quando estava de bom humor; e o seu cachorro Brasil, que passava o dia muito ocupado roçando nas almofadas do sofá e não tinha muito tempo para brincar com Doutor Lombardi.

Mas naquele sábado havia alguma coisa na caixa de correios. Alguma coisa que parecia ser uma mala-direta, mas que Doutor Lombardi logo percebeu que não quando leu “Não, isso não é uma mala-direta.” Num texto em destaque.

Era um convite. Um convite para ele. Alguém o estava convidando para algo. Doutor Lombardi abriu um sorriso e deixou escorrer uma lágrima, que caiu lentamente e pingou no papel.

VENHA CONHECER A NOVA BALADA POP UNDERGROUND DA CIDADE.

MUITA MÚSICA ELETRÔNICA, BEBIDA, DROGAS E LASANHA.

MUITA LASANHA.

- Pera lá! – pensou Doutor Lombardi. – Esse negócio de muita lasanha é muito estranho. Como um estabelecimento pode ser tão cara-de-pau ao ponto de divulgar assim, sem vergonha, que vão oferecer lasanha para todos? Esse mundo está perdido. Preciso avisar a polícia.

Sem hesitar, Doutor Lombardi ligou para o Sargento Ed Morte para fazer a denúncia:

- Ô, Lombardi, cassete! – atendeu o homem da lei com seu habitual bom humor. – O mundo não é mais aquele dos nossos tempos, cara. As coisas estão assim agora. O que você quer que eu faça? Eu não vou mudar o mundo.

- Olha, Morte, você é um corrompido pela sociedade mesmo. Aposto que você deve receber uns papelotes de lasanha aí pros seus homens, não é? Confessa!

- Olha lá como você fala comigo, ô Lombardi! Senão eu te mando em cana de novo, como daquela vez em que você me encheu as paciências pra prender uma senhora de 82 anos só porque ela se recusou a morrer no hospital público pra dar lugar a você na maca.

Querendo dispensar logo o amigo, o Sargento Ed Morte foi logo se adiantando:

- Bom, vou mandar alguns homens pra lá pra ver a situação. Tá feliz?

- Ainda não. Mas se é o que tem pra hoje...

Desconfiando da decisão do amigo, e não se perdoando por isso, afinal os dois tinham uma história de vida juntos, Doutor Lombardi resolveu ele mesmo ir até o local da balburdia verificar e pegar os delinquentes em flagrante. Mas antes, esperto como sempre, decidiu ligar para a tal balada usando um nome falso:

- É isso mesmo, Lombardo. Pode vir que hoje é open lasanha!

Chegando ao local indicado no convite, Doutor Lombardi tratou de procurar os encarregados do sargento Ed Morte e os encontrou saindo da casa, com as bocas lambuzadas de molho e sorrisos de dar inveja a qualquer homem quando se alivia depois de segurar o peido por duas horas no primeiro encontro com uma mulher.

Ele via gente entrando séria e saindo chorando de tanto rir. Gente que entrava pela porta e saía pela janela. E gente que tentava entrar pela janela, mas não conseguia de tanta gente que saía. Todas lambuzadas. Bocas de palhaço, camisetas manchadas e guardanapos passando de mão em mão. Viu também uma turma reunida na entrada, com o portamalas do carro aberto, som no último volume, com seus próprios pedaços de lasanha nas mãos, fazendo o que ele ouviu chamarem de “esquenta”.

Doutor Lombardi tomou coragem e entrou.

Logo que pisou lá dentro, um garçom já se aproximou trazendo alguns pedaços de lasanha de presunto e queijo na bandeja. Quando Doutor Lombardi ia fazer um gesto para recusar, uma loira, vestindo um top à bolonhesa, quase com as almôndegas de fora, veio por trás:

- Pega um, sim, e come comigo.

Olhando nos olhos da moça, Doutor Lombardi fez o que qualquer homem no mundo teria feito: obedeceu.

Doutor Lombardi começou a sentir uma sensação estranha, porém deliciosa, de leveza e dormência.

- Me vê um de quatro queijos! – ele gritou ao outro garçom que passava.

- Vai com calma, gato! Isso dá barato muito rápido. Assim você vai entrar numa bad.

Já vendo tudo girar, Doutor Lombardi abriu espaço na pista, formando uma roda de pessoas em sua volta, tirou o paletó, a gravata e até a camisa, subiu na mesa e gritou:

- Podem me chamar de Doutor Lasanha!

Cinco segundos depois tombou para frente e caiu de cara no chão, fraturando o nariz e desmaiando na sequência. Acordou já em casa, deitado no sofá, com seu cachorro Brasil roçando nas almôndegas da loira, que o levou para casa depois de dizer ao Sargento Ed Morte, na delegacia, que era esposa do Doutor Lombardi e que estava grávida dele.

O Sargento Ed Morte liberou os dois após perceber que a mulher espumava molho rosè pela boca.



Um comentário:

Ricardo Somera disse...

Eu fui na balada que dava lasanho como brinde!
E foi muito legal, juro!
Hahahaha